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Qual a relação entre Eventos, Prêmios e Captação de Recursos?

Por Camila Figueiredo e Bruno Asp

Qual a relação entre Eventos, Prêmios e Captação de Recursos?

Há mais de 20 anos atuando com projetos no terceiro setor, a Neurônio Ativação de Negócios e Causas pode se colocar como testemunha e ao mesmo tempo agente no desenvolvimento deste setor. A nossa trajetória profissional nos permite falar com propriedade sobre duas estratégias de comunicação para a mobilização de recursos: eventos e prêmios. E por isto, vamos comentar alguns exemplos e casos que observamos e outros com os quais trabalhamos diretamente.

Antes de partimos para apresentação dos casos, vale um alinhamento sobre o que entendemos como recursos a serem mobilizados. Para a Neurônio, eventos e prêmios permitem mobilizar três tipos de recursos:

a) Financeiros: como uma estratégia para levantar dinheiro para uma determinada organização;
b) Relacionamentos: estratégia de captação e ampliação de associados, doadores e voluntários,
c) Conhecimento da causa: informar ou educar o público sobre a causa e o trabalho que a sua organização social desenvolve.

Acreditamos que as organizações socioambientais devem diversificar a suas fontes de recursos, buscando com sustentabilidade financeira de longo prazo diminuir o risco vinculado a uma única fonte de renda e aumentando a sua legitimidade social.

Essas instituições buscam eventos e prêmios muitas vezes a fim de mobilizar esses três tipos de recursos. No entanto, definir bem qual a prioridade do recurso a ser mobilizado é fundamental para balizar as decisões do meio do caminho e garantir que os resultados sejam alcançados.

Eventos como Ferramenta de Mobilização

A organização de um evento, por exemplo, não é uma atividade de alta complexidade. Mas é preciso estar ciente de que se trata de um processo técnico e que demanda muita energia da instituição realizadora, uma vez que exige a mobilização de um número grande de pessoas ao redor dela, com picos de trabalho que, não raro, tendem a exaurir a organização. Muitas vezes, ao se colocar tudo na ponta do lápis, pode-se acabar achando que a ferramenta não vale o trabalho.

Ao longo desses anos, percebemos que o problema não é a ferramenta em si, mas a falta de planejamento recorrente em torno da seleção e adequação do tipo de evento e de objetivos que se pretende alcançar. Ou seja, muitas vezes falta alinhamento entre o tipo de evento e estratégia, objetivo, meta e produtos a serem conquistados. Resultado geral: muitos eventos são pontuais, sem alcançar objetivos significativos e outros tantos, pensados inicialmente para duração de médio e longo prazo, são descontinuados.

E você pode estar se perguntando: Mas então, qual o segredo? Entendemos que a chance de sucesso é maior quando há a identificação de um tipo de evento que tenha sinergia estratégica com a sua causa; que possa começar pequeno, mas que tenha potencial para crescer em número de pessoas e frentes de captação de recursos. Além disto, que seja tratado como um projeto estratégico e não como algo que deva ser feito apenas porque outras organizações estão fazendo também. Veja o evento como um projeto que contribui com impactos no longo prazo, que deve ser pensado como uma atividade a ser incluída no planejamento anual da instituição, que deve sempre buscar mobilizar a sua rede, prestar contas do passado e oferecer propostas para o futuro.

Um evento é uma oportunidade para captar adesões de associados. Para isso, seja criativo e inovador!

E mais uma vez você se pergunta: mas por que tenho que pensá-lo de forma tão estratégica? simplesmente porque um evento é a “hora da verdade”. É o momento em que a organização se expõe para a sociedade e é encarado de frente por ela. É a hora em que os questionamentos vêm à tona e se não forem respondidos podem levar à deriva não só a instituição, mas também a causa que ela defende.

Se a causa de uma organização é de fato relevante, talvez por si só ela seja capaz de mobilizar relações que a legitimem. No entanto, se a ferramenta de mobilização, que pode ser um evento, não for bem planejada, pode contribuir negativamente. Por isso a importância de vê-lo como peça estratégica.

Um dos exemplos de eventos mais emblemáticos do setor social no engajamento/conhecimento de causa é a Conferência Ethos, que é realizada anualmente desde 1999 pelo Instituto Ethos e que tinha como missão original disseminar o conceito de responsabilidade social empresarial e engajar as empresas em torno do tema. Com o evento, juntamente com outras ferramentas estratégicas, incluindo duas premiações (Prêmio Ethos-Valor e Prêmio Ethos de Jornalismo), a instituição conseguiu consolidar uma rede de associados e empresas que hoje institucionalizaram o conceito de responsabilidade social empresarial dentro de suas organizações, criando departamentos, cargos e funções para que o assunto fosse tratado durante o ano todo.

O exemplo da Conferência Ethos é interessante porque ele mostra como um evento sistematicamente organizado anualmente, pensado estrategicamente como ponto de convergência de várias outras iniciativas, é capaz de mobilizar pessoas e consolidar na sociedade o conhecimento de uma causa.

Outro exemplo em menor escala em que a Neurônio trabalhou por três anos na organização é o seminário organizado pelo IDIS - Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social sobre o tema Marketing Relacionado a Causas. A abordagem inicial do projeto pretendia que, por meio dos eventos realizados durante três anos consecutivos, o conceito de Marketing Relacionado a Causas fosse difundido no setor como mais uma ferramenta e estratégia de captação de recursos. Os seminários seriam capazes de mobilizar os agentes das organizações sociais e dos departamentos de comunicação e agências para analisarem sinergias e potencialidades nesta junção. Com o resultado do evento, pensou-se numa estratégia de sistematizar os conhecimentos e casos numa publicação, que contribuiria para a ampliação da repercussão do tema e de sua adoção como uma nova forma de financiamento de projetos sociais. Os casos do Instituto Avon, do Um beijo pela vida, e das sandálias havaianas em parceria com o Instituto IPÊ ganharam ampla relevância e notoriedade.

O tipo de evento deve estar bem ancorado e alinhado com a sua causa e os objetivos bem claros definidos. Citamos dois exemplos de eventos que buscaram ampliar o conhecimento da causa, pois estão mais alinhados com a nossa atuação profissional.

Agora eventos sociais e esportivos são normalmente mais rentáveis e opções mais seguras quando o objetivo é o levantamento de recursos financeiros. Se o resultado financeiro é a principal motivação para a realização do evento, então a organização social tem que fazer um levantamento completo de custos, uma análise cautelosa do potencial da sua captação de recursos - baseada na sua rede de relacionamento - avaliando primeiro no papel o resultado projetado. Se já no papel a margem é baixa ou negativa, pare tudo, volte para o planejamento e defina novas estratégias. Não seja otimista na projeção de captação de recursos financeiros.

Premiações como Ferramenta de Mobilização.

Premiações não são comumente utilizadas como estratégias de captação de recursos financeiros, mas sim como excelente ferramenta de mobilização de pessoas e ampliação de conhecimento da causa. Prêmios tem uma vantagem adicional, pois dele pode-se gerar também um mapeamento ou um retrato de qual a relevância do assunto para o público-alvo.

As mecânicas de premiações são diversas e podem variar conforme o objetivo que se quer alcançar. O mesmo acontece com os objetos de avaliação (que são os itens a serem entregues pelos participantes), regras, prazos, etapas, comunicação, premiações, tipos de participantes, entre muitas outras coisas. Ou seja, o nível de complexidade por si só determina que essa ferramenta seja tratada de forma planejada.

Com uma premiação é possível:

 incentivar os públicos estratégicos a pensarem num determinado tema;
 abrir espaço ao trabalho de novos pensadores;
 proporcionar ambientes de simulação sem os riscos do mercado;
 mapear públicos estratégicos e iniciativas de sucesso;
 ampliar a rede de relacionamentos; e
 até mesmo fidelizar públicos de interesse.
Para que isso tudo seja alcançado, as organizações realizadoras precisam ter ciência que se trata de uma ferramenta técnica que, embora não necessariamente precise do envolvimento de muitas pessoas, demanda o cumprimento de todas as etapas de gestão de projetos, incluindo planejamento, implementação, avaliação e replanejamento.

Assim como eventos, as premiações têm etapas de trabalho intensivo, mas se bem planejadas, são mais facilmente domadas, justamente por não exigir a mobilização de tanta gente. Com o tempo, o processo tende a entrar num trilho facilmente trafegável, o que é positivo. Mas é justamente aí que mora o perigo dessa ferramenta: a acomodação por parte dos seus realizadores.

Com a acomodação, o olhar estratégico tende a diminuir e com isso os resultados esperados de mobilização também. Dessa forma, o grande segredo de se trabalhar com premiações como ferramenta de mobilização é, além de dar atenção ao planejamento e execução, ficar atento ao processo de replanejamento. A utilização de questionários de satisfação é um caminho, que pode contribuir com horizontes de muito sucesso.

Feedbacks aos participantes em relação a seus resultados também é outro ponto de atenção: mais do que mobilizar, ele pode fidelizar para a sua causa. Muitas premiações demandam muito tempo e dedicação de seus participantes, que costumam ficar desapontados, não só por não vencer, mas por não saber os motivos por não ter vencido.

É verdade que em algumas premiações é praticamente impossível dar qualquer tipo de feedback, principalmente por conta da quantidade de inscritos e pelo tempo de realização que um retorno de avaliação aprofundado demanda. Dessa forma, é importante que no planejamento seja sempre estudada a possibilidade da inclusão desse tipo de ação. Quando não for possível, é importante que se pense em maneiras alternativas de se fazer isso ou minimizar o impacto de não se realizar. Neste caso, o “pouco é melhor do que o nada” e pode contribuir também para a fidelização.

Um caso que vale de exemplo de mobilização de conhecimento de causa é o Conexões Senac, premiação que foi realizada pelo Senac São Paulo durante os anos de 2005 e 2013. Seu objetivo era formar uma cultura empreendedora entre os estudantes universitários do Centro Universitário Senac, por meio de uma competição de plano de negócios.

Ao longo desse período, o Conexões Senac conseguiu engajar alunos e professores em torno dos desafios e oportunidades inerentes a se montar o seu próprio negócio. Por ser uma premiação, conseguiu consolidar um ambiente protegido e especial para que os alunos pudessem testar suas ideias e desenvolverem seus planos de negócio, sem terem que arcar com os riscos reais do mercado. Com um objetivo muito mais educativo do que de incentivo à criação de novos negócios, em 2014, o Conexões foi incorporado ao Empreenda Senac competição também criada pelo Senac São Paulo, em 2008, voltada inicialmente para alunos de Ensino Técnico, e que depois incorporou estudantes de Programas de Aprendizagem e de Pós-graduação.

O Senac São Paulo conseguiu, por meio de suas premiações e muitas outras ações estratégicas nesse campo, ser reconhecido como o melhor centro de empreendedorismo do país no Prêmio de Educação Empreendedora Brasil 2011, concedido pelo Instituto Empreender Endeavor e o Sebrae. Além disso, viu também alguns de seus participantes alcançarem sucesso em outras competições e em seus empreendimentos, comprovando que de fato foram mobilizados para o conhecimento daquela causa.

O sucesso da ferramenta é tão notório, que o Empreenda Senac, em 2023 está em sua 16ª Edição.

“Com certeza a ferramenta de Premiação é uma ótima escolha para trabalhar com todas as frentes envolvidas, inclusive para disseminar o tema escolhido para os participantes. No entanto, ressalto que a premiação deve ser constante para que a mobilização seja maior. Depois de alguns anos de competição, todos aguardam ansiosos pelo início da atividade e isso mostra que o tema está consolidado entre os envolvidos”, afirma Marina Camargo, que foi coordenadora da área de Empreendedorismo do Senac São Paulo.

Outro exemplo de mobilização era o Prêmio Trote da Cidadania, iniciado em 1999, financiado e realizado pela Fundação Educar DPaschoal. O seu principal objetivo era o de provocar, dentro do ambiente universitário, professores, alunos e gestão a discutirem alternativas aos trotes violentos. Partia-se da premissa que a realização do Trote em si, como ritual de passagem e momento de celebração de uma nova etapa na vida dos jovens, era algo muito positivo.

Como é de conhecimento público, muitos estudantes vivem dramas e humilhações durante o trote (sem falar de casos extremos - ainda que raros), um momento que era para ser de alegria. Justamente para fazer do trote um rito positivo, a Fundação Educar DPaschoal criou a campanha Trote da Cidadania, cujas ferramentas, entre elas o Prêmio de mesmo nome, se baseavam em um conjunto de atuações sistemáticas e coordenadas que se retroalimentavam num ciclo virtuoso de ampliação do conhecimento da causa e engajamento de pessoas e voluntários.

O Prêmio, anualmente, busca estimular e reconhecer as melhores práticas de Trote Cidadão e ou Solidário, como uma alternativa ao trote violento e humilhante. Essa mobilização teve como consequência a institucionalização da causa do Trote Cidadão ou Solidário dentro das universidades, que já entendem que o trote é assunto não só da alçada dos alunos, mas também dos professores e da gestão. Para manter a “chama acesa” algumas universidades criaram seus próprios prêmios internos e até mesmo a Câmara Municipal de São Paulo aprovou o Selo Trote Legal, influenciando várias outras municipalidades a realizarem ações semelhantes.

Podemos afirmar que o mérito não é só da ferramenta, mas principalmente de um planejamento com objetivos claros e coerentes com a causa e a realidade da organização.



*Camila Figueiredo e Bruno Asp são sócios diretores da Neurônio e o artigo acima foi escrito originalmente para a Revista da Associação Brasileira de Captadores de Recursos, em comemoração dos seus 15 anos, em dezembro de 2014, e revisado em julho de 2023.


Foto: Brady K. Sendo utilizada por Creative Commons e disponível em https://www.flickr.com/photos/stopbits/3777015632. A imagem teve suas laterais cortadas para que coubesse na página.

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